Irmã Marli Maria e Silva, Missionaria Capuchinha, compartilha sua historia de vida e missão doada aos pobres.

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Vida em Missão

Sou Irmã Marli Maria e Silva, nasci em Viçosa do Ceará e, aos 14 anos, fui morar em Fortaleza, bairro Serviluz. Nesse lugar conheci as Irmãs Missionárias Capuchinhas (IMC) e me encantei pela vida das Irmãs, pois serviam com amor e dedicação o povo de Deus. Através delas conheci a história de São Francisco, a qual me deixou fascinada por sua vida de pobreza e doação aos pobres. 

No Serviluz,  participava do grupo de jovens, catequese e CEB´s (Comunidades Eclesiais de Base). Com esses engajamentos, fui sentindo o desejo de me dedicar cada vez mais aos irmãos e irmãs, por isso senti necessidade de discernir a minha vocação e entrei no Grupo Vocacional. Com o passar do tempo, aquele desejo foi-se fortalecendo e em 1998, com 18 anos, entrei na Congregação das IMC para dar início à formação.  Em 2002 fiz a 1ª Profissão Religiosa e fui enviada para a Fraternidade São José em Camocim, cuja missão era educação no Instituto São José (ISJ), e na Paróquia Bom Jesus dos Navegantes estava na Catequese, Círculo Bíblico, Legião de Maria e JUFRA – Juventude Franciscana. Concluído o juniorato, reafirmei o desejo de entregar-me por inteira e definitivamente a Deus e no dia 19 de março de 2007, sob as bênçãos de São José, fiz a Profissão Solene dos Votos Perpétuos, em Camocim.  

Em 2007, num encontro da fraternidade, foi lida uma carta que falava sobre a missão e os desafios das Irmãs em Moçambique. Durante essa leitura eu sentia o coração arder e fiquei rezando por alguns dias para entender o que Jesus queria de mim. Depois de um período de reflexão, entendi que o Senhor contava comigo em Moçambique, partilhei com a fraternidade (em Camocim) e recebi o apoio das Irmãs.  Em seguida, escrevi à Madre Geral, colocando-me à disposição para a Missão “ad gentes”;  diante da resposta favorável, no dia 10 de março de 2008 viajei para Moçambique.  Após um tempo de experiências missionárias nesse país, regressei ao Brasil no dia 5 de janeiro de 2017. Atualmente resido na fraternidade Irmã Antonina, servindo na Escola Nossa Senhora da Assunção, no bairro Serviluz, periferia de Fortaleza – Ceará/Brasil.

Gostaria de partilhar a minha experiência missionária em Cuamba, Província do Niassa, Moçambique-África com o provérbio macua: “Othawene timpuanhia apajera wamuetelo” que significa: “Lá no horizonte se encontra um novo começo”, pois, cada vez que eu deslumbrava o horizonte desta missão, podia descobrir um novo jeito de ser Igreja e cada aprendizagem era um novo recomeçar. Portanto, narrar oito anos e dez meses vividos nesse solo abençoado torna-se uma tarefa difícil, porém, tentarei compartilhar um pouco da minha vida em Missão, na Paróquia de São Miguel-Cuamba pertencente à Diocese de Lichinga.

Fui enviada pela minha Congregação, Irmãs Missionárias Capuchinhas, para ser uma presença missionária no meio do povo moçambicano.  O “ide com coragem, alegria e misericórdia”[1] foi o meu lema desde a saída do Brasil, pois fui com o coração aberto para o novo, para as manifestações que o Senhor da Messe iria proporcionar-me e, nesta perspectiva, fui como um aprendiz e, em nenhum momento, tive a pretensão de ir como “a dona da verdade” ou como “quem vai evangelizar um povo carente”… E isso me ajudou bastante! Confesso que desde o dia em que cheguei até o dia em que, em lágrimas, deixei a missão, nunca deixei de me encantar por este povo. Cada descoberta da cultura, da língua, do dia a dia dos macuas[2] era uma experiência indizível do amor de Deus!

Neste período, colaborei nas seguintes atividades, em nível pastoral: catequese, comissão de evangelização diocesana, pastoral vocacional, equipe missionária, pastoral do idoso, infância missionária, CONFEREMO (Conferência dos Religiosos de Moçambique); em nível socioeducativo: coordenadora do Centro Nutricional José Allamano (entidade dos Missionários da Consolata), professora de português e diretora adjunta pedagógica da Escola Secundária Pe. Eugénio Menegon (instituição da Diocese de Lichinga), coordenadora da Brinquedoteca Espaço do Saber (entidade das Irmãs Missionárias Capuchinhas), coordenadora do Registo Acadêmico e Docente na Faculdade de Agricultura (Universidade Católica de Moçambique). Revendo a minha vida em missão nas atividades acima citadas, pude contemplar a beleza e a dor das pessoas desde a primeira infância até a velhice. E nesta contemplação louvo e bendigo a Deus por tudo que aprendi e vivi com esse povo. Neste relato, gostaria de partilhar a riqueza e beleza deste país, ou melhor, de uma parte dele: Cuamba – Niassa! Falar do povo macua de Cuamba é falar de um povo forte, corajoso, alegre, festeiro, devoto de Deus; é falar de uma igreja ministerial; é falar de um povo pacífico, cortês, batalhador, fiel à cultura e às tradições; é falar de um povo que teve sua independência proclamada no dia 25 de junho de 1975 e, em seguida, viveu, por 15 anos, uma guerra civil, até que o acordo de paz fosse decretado em 1992; é falar de um povo sofrido, mas esperançoso; é falar de um povo que festeja o nascimento de uma criança (sinal de riqueza) e sabe prestar sua última homenagem aos entes queridos…

Nessa experiência missionária aprendi muito, posso dizer que regressei ao Brasil com uma visão muito maior e rica do que é ser pessoa, do que é ser irmã. Com esse povo abençoado descobri que para ser feliz não precisamos de muita coisa, apenas precisamos valorizar o que se tem e viver cada momento, cada dia.

Inúmeras vezes presenciei a alegria das pessoas quando, nos encontros, o almoço era arroz com feijão ou chima[3] com galinha, assim como a criançada animada para comer o arroz que restava pregado na panela. Para participar das missas, mesmo em dias festivos, não havia a preocupação de ir só se tivesse uma roupa nova. Sentar-se no chão sobre a capulana[4] ou esteira era muito comum nas casas, igreja ou encontros paroquiais. A visita aos familiares e amigos, sempre nas primeiras horas do dia.  A criança no colo[5] da mãe. Cantos e danças animadas ao som de batuque. A saudação entre os transeuntes sem pressa. As celebrações fúnebres realizadas com unção e estima. A paciência e respeito para com os missionários estrangeiros. A resignação e fé diante da dor e a esperança em dias melhores. Essas foram algumas das aprendizagens significativas! E tenho esperança de um dia voltar a pisar neste chão abençoado.

A partir de tudo que vi, ouvi e vivi, afirmo com convicção que vale a pena fazer uma experiência missionária em Moçambique. É um horizonte que nos mostra um novo começo e do qual, ao regressarmos, não seremos mais os mesmos! O principal é ir de coração aberto e na condição de aprendiz. O mais, Deus faz acontecer, não há o que temer!

Irmã Marli Maria e Silva, IMC



[1] Autor da frase Frei. João Pedro, OFMcap.

[2] Etnia da maior parte da população que vive na zona norte de Moçambique.

[3] Comida típica feita com farinha de milho e água.

[4] Tecido estampado ou com cores padronizadas que representam a roupa africana.

[5] Criança fica nas costas amarrada pela capulana.